sábado, 25 de fevereiro de 2006

Desfile Nada é do tamanho do que sinto agora em mim nada do que sinto foi sentido tanto assim só a dor constrói só o amor que dói só mas com amor meu mundo é maior Nada é do tamanho do que já desfila em mim filas de escolas com milhões de tamborins e eu sem ter lugar pra tanto bem e tanto mal tudo isso vem de Pedro Álvares Cabral desde os ancestrais desde os canibais desde os meus avós desde os meus pais desde que nasci acho natural tanta solidão no esplendor do carnaval (letra de Luiz Tatit, música de Ná Ozzetti)

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2006

Farpa Esta porta não abre mais emperrou muito tempo atrás quando você se foi pra nunca Da varanda ao corredor pespegada essa dor já respirado, o ar parou Do porão até o portão desde o chão até minha mão tudo guarda camadas de pó Mas se range a madeira do piso sob qualquer pé tudo se mostra tal qual não é Esta porta se faz abrir o telhado não vai cair móveis limpos, passado algum Eu respiro, eu espero converso, tento esquecer me torço, tento esquecer esqueço, tento esquecer Pelo avesso é que eu sigo bem sua falta não vai além dessa frincha que o teto abriu Mas mesmo se ninguém vê a farpa que sobrou de nós debaixo da unha ainda dói (letra para o samba composto pelo Heron Coelho)

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2006

ah, tristeza escorregue deslize até a esquina deslize o rosto metido no vento deslize veloz veloz na descida

terça-feira, 21 de fevereiro de 2006

Ainda (roubado de Mauricio e Marina) No meio da cidade de Berlim um rio parou de correr congelado Numa ponta da África do Sul o vento não deixou que uma pessoa desse um passo Aqui o tempo continua passando Ontem mesmo (nunca chega) quatro horas se perderam

domingo, 19 de fevereiro de 2006

Poema da Adília Lopes, poeta portuguesa, tirado do livro "César a César", de 2003: (a partir de Teixeira de Pascoaes) Se não fossem as minhas coisas eu não era a que sou As coisas estão partidas estão perdidas por minha culpa e causa A mim não volto mais Porém sem minhas culpa e causa (de partir e perder) eu não era a que sou

sábado, 18 de fevereiro de 2006

Foto de Beth Gotardo (minha mãe).
Observe o vão entre o trem e a plataforma um condutor do metrô equivocou-se um dia a porta que se abriu à minha frente dava para o buraco dos trilhos alguns metros de hiato entre o trem e a plataforma o que mata é pôr uma mão em um trilho outra mão em outro e deixar a corrente elétrica achar no seu corpo um caminho para ir embora e ir embora

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2006

Ainda ela ainda ela não me sai da cabeça nestes dias.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2006

Judy Garland. Em um DVD muito barato que encontrei, ela canta num programa de televisão que apresentou entre 1963 e 1964. Fragilidade exposta, força, alegria brincalhona, tristeza sem fundo.
Longe longe uma palavra que não chega pego esta hora e a engulo com um gole d‘água

terça-feira, 14 de fevereiro de 2006

Últimos dias A cavidade do olho de uma pessoa encaixa-se no ombro de qualquer outra Abaixe-se um pouco eu inclino a cabeça e desapareço na ponta de seu osso * As coisas ganham contorno a primeira luz dilui a noite eu olho você olha debruçado na janela este silêncio * um corpo deixa outro corpo e caminha para o alto como um corpo que escalasse a porta de vidro como um corpo feito de tempo e matéria que deixasse outro corpo (ele mesmo) caído * daqui a uma hora e dois ou três minutos um dia inteiro terá terminado

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2006

Seis da tarde À beira da cama, sentada O quarto azul como nada A tarde é que morre por trás da cortina nos móveis na mão na retina Sentada, os pés na madeira O instante é a história inteira O chão deste quarto é o espaço do mundo o tempo é pra sempre um segundo Que surja lá fora um qualquer ruído Que venha dos outros um qualquer indício Sentada pra sempre agora À espera do que a leve embora Uns passos na rua Um brilho no vidro Um cheiro há muito esquecido À beira da cama, silente Atenta ao rumor do presente Não há outro tempo Não há outra esfera Presente é memória e espera Não há outro tempo Não há outra margem Presente é demora e passagem (letra de canção feita para Marina Corazza em dezembro de 2004)

terça-feira, 7 de fevereiro de 2006

Fui ver "O que você foi quando era criança?", peça escrita pelo Lourenço Mutarelli, dirigida pelo Donizeti Mazonas e pela Gabriela Flores. Em 1999, meu primeiro ano em São Paulo, a Gabriela Flores estava em cartaz com o "Prêt-à-Porter 1". Eu gostava demais das cenas e dos atores. Especialmente dela e da Daniella Nefussi. Lembro-me de um dia tê-la visto passando pela USP. E depois, assisti a "Fragmentos troianos". Perdi outras peças que ela fez desde então. Hoje, ela estava na bilheteria do Centro Cultural São Paulo, e foi bom vê-la. Ela me entregou o programa, eu agradeci. Uma sensação antiga (outra). A peça tem coisas muito boas. Eu a vi com os pés encharcados. E com uma vontade que havia surgido no meio da penumbra da minha casa: a de imergir em alguma coisa.
Hoje o céu escureceu no fim da tarde. Eu estava em casa, sozinho. Só acendi uma lâmpada. Começou a chover. Eu andei pela casa com uma sensação antiga. De quase escuro.
Eu olho esta página e me assusto com o último dia de 2003 logo ali embaixo. Tempo nenhum passou.
Primeiro poema escrito em 2006, entre 31 de janeiro e 01 de fevereiro. Para tentar outra vez começar isto aqui. Córrego Pode deixar que este cão que ronda a rua não nos vê aqui no escuro e se nos vê não liga vai volta vai não volta nunca mais o chão de pedra um vão e outro outro a sombra divide o muro seus óculos pousados no chão blocos de pedra e intervalo seus olhos líquidos meu peito um vão e outro outro