segunda-feira, 25 de maio de 2009
quinta-feira, 21 de maio de 2009
quarta-feira, 20 de maio de 2009
Laranjeira
O idoso conseguia caminhar
e com seus próprios pés
seguiu até uma árvore do pátio de sua casa
na comunidade de Ostitán
no estado de Tabasco
Don Chaguito
aparentemente
trabalhava ainda no campo
com seus pés
seguiu até uma laranjeira de dois metros
do pátio de sua casa
na qual pendurou uma corda de náilon
para enforcar-se
tinha cento e quinze anos
deixou aí jogadas sua cadeira e sua bengala
*
Bilheteira sentada. Projecionista fora de quadro.
Não é preciso que ele diga nada
chove
não é preciso que ele mova trinta graus
a cabeça
e olhe para mim
deve haver goteiras novas
no saguão
me esperam
um pano de chão
um balde
um rodo
me levantarei já
uma de minhas pernas
rígida
as escadas
o talão de ingressos
as poltronas
a luz sobre a tela
a se enfiar
entre
as perfurações da tela
e a perfurar
meu rosto
não espero que
ele veja
mas a metade deste pão
cor-de-rosa
recheado
e cozido
que deixei aqui
sobre as latas empilhadas
quero que ele pegue
e coma
*
O animal, os animais
À beira da pista de
asfalto à beira do
gramado à beira do lago
uma ave bica
repetidas vezes
a lixeira de metal
que reflete sua imagem
(o bico acerta o bico refletido
e acerta o bico refletido
e acerta)
Muito maior que as três pombas
que ciscam sobre o gramado
a ave tem penas pretas
e amarelo-esbranquiçadas
que no topo da cabeça
contorcem-se numa crista
O rabo é descompensado:
uma pena quase solta
faz com que a figura inteira pese
para seu lado
Em desequilíbrio, portanto, para alguém
que a observe, a ave deixa a lixeira
e procura algo na grama
sem atentar ao barulho
que ritmado ressurge
Uma ave bica
repetidas vezes
a lixeira de metal
que reflete sua imagem
Vinda de nenhum lugar
tem as penas todas pretas e
um grito
o bico
amarelo vivo
de resto é igual à outra
em tamanho crista patas
mesmo que ainda preserve a simetria do rabo
Não são patos
nem cisnes
como tantos à beira do lago
Uma senhora as vê de longe
“olha lá o jacu, Manoela!”
mas de perto se desmente
“não sei que bicho é esse não”
Abandonada a lixeira
a ave de bico estridente
aproxima-se de seu par
e erram ambas pelo parque
até a próxima imagem
refletida no metal
essa imagem insistente
que repetidas vezes
sem urgência
acerta o bico da ave
que se põe à sua frente
*
Mulher num quadro de Hopper
(roubado de Angélica Freitas)
Levarei um dia esta xícara até a boca
Calçarei de volta a luva
Roubarei uma banana da fruteira
sob meu casaco
ou sob meu chapéu
ninguém poderá notá-la
Um dia mastigarei
Ora, posso mover-me
Colocarei a fruteira sobre o aquecedor deste salão
e as frutas apodrecerão depressa
Ora, as horas correm
Descruzarei as pernas
Levantarei os olhos deste líquido escuro
Alguém descerá do carro lá fora
e esbarrará nesta cadeira vazia à minha frente
pedirá desculpa
Alguém dirá do reflexo das lâmpadas na vidraça
é um caminho sem fundo a se enfiar na noite
Levantarei um pouco o braço e os dedos presos na louça
Sentirei o gosto de café
um dia
esta xícara até a boca
*
Pegar com as mãos
(série de poemas)
um corpo
Você foi embora anteontem dentro do ônibus de viagem.
Para sair da rodoviária, ele
engatou uma ré muito lenta
fez uma manobra para a esquerda
e pôde então seguir reto
(seu rosto na janela foi junto).
A sua ausência restou, sentada em meu quarto.
Ela é um pouco incômoda.
Ela ocupa espaço.
Ela me faz companhia.
Ela dá trabalho.
Como um hipopótamo levado a passeio.
letra
Como um elefante.
Recebe esta
Pega
Há tempo já que
é matéria
esta palavra
Como um elefante.
Há tempo já
grafite
Esta palavra
pó
Recebe esta
Pega
Como um instante.
carbono
um desconhecido
Esta caneca que você segura
o que quer que tenha dentro
o seu sorriso
a luz que vem da janela
deve ser manhã
vapor leite café
o seu sorriso
a claridade seu olho
o que quer que tenha dentro
seu ombro braço seu corpo apoiado na pia
esta caneca que você segura
a luz que vem da janela
deve ser manhã
ainda
este retângulo
nunca
este retângulo fotografia
contra matéria
O ar que seu corpo empurra
matéria que corre a sala
e se espatifa contra matéria
o piso a parede o teto
você dança