segunda-feira, 25 de maio de 2009

Ná Ozzetti cantando "Boneca de piche" (Ary Barroso/ Luiz Iglésias) - ou, a alegria.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

(Adeus, Dragon Inn, filme de Tsai Ming-Liang que deu origem a "Bilheteira sentada. Projecionista fora de quadro.", outro poema da postagem de ontem.)
(Automat, de Hopper - o quadro que deu origem a "Mulher num quadro de Hopper", um dos poemas da postagem anterior.)

quarta-feira, 20 de maio de 2009

poemas antigos (todos anteriores a 2007, se não me engano)

Laranjeira

O idoso conseguia caminhar

e com seus próprios pés

seguiu até uma árvore do pátio de sua casa

na comunidade de Ostitán

no estado de Tabasco

 

Don Chaguito

aparentemente

trabalhava ainda no campo

 

com seus pés

seguiu até uma laranjeira de dois metros

do pátio de sua casa

na qual pendurou uma corda de náilon

para enforcar-se

 

tinha cento e quinze anos

 

deixou aí jogadas sua cadeira e sua bengala

*

Bilheteira sentada. Projecionista fora de quadro.

Não é preciso que ele diga nada

chove

não é preciso que ele mova trinta graus

a cabeça

e olhe para mim

deve haver goteiras novas

no saguão

me esperam

um pano de chão

um balde

um rodo

me levantarei já

uma de minhas pernas

rígida

as escadas

o talão de ingressos

as poltronas

a luz sobre a tela

a se enfiar

entre

as perfurações da tela

e a perfurar

meu rosto

não espero que

ele veja

 

mas a metade deste pão

cor-de-rosa

recheado

e cozido

que deixei aqui

sobre as latas empilhadas

quero que ele pegue

e coma

*

O animal, os animais

À beira da pista de

asfalto à beira do

gramado à beira do lago

uma ave bica

repetidas vezes

a lixeira de metal

que reflete sua imagem

(o bico acerta o bico refletido

e acerta o bico refletido

e acerta)

Muito maior que as três pombas

que ciscam sobre o gramado

a ave tem penas pretas

e amarelo-esbranquiçadas

que no topo da cabeça

contorcem-se numa crista

O rabo é descompensado:

uma pena quase solta

faz com que a figura inteira pese

para seu lado

Em desequilíbrio, portanto, para alguém

que a observe, a ave deixa a lixeira

e procura algo na grama

sem atentar ao barulho 

que ritmado ressurge 

Uma ave bica

repetidas vezes

a lixeira de metal

que reflete sua imagem

Vinda de nenhum lugar

tem as penas todas pretas e

um grito

o bico

amarelo vivo

de resto é igual à outra

em tamanho crista patas

mesmo que ainda preserve a simetria do rabo

Não são patos

nem cisnes

como tantos à beira do lago

Uma senhora as vê de longe

“olha lá o jacu, Manoela!”

mas de perto se desmente

“não sei que bicho é esse não”

Abandonada a lixeira

a ave de bico estridente

aproxima-se de seu par

e erram ambas pelo parque

até a próxima imagem

refletida no metal

essa imagem insistente

que repetidas vezes

sem urgência

acerta o bico da ave

que se põe à sua frente

*

Mulher num quadro de Hopper

                                    (roubado de Angélica Freitas)

Levarei um dia esta xícara até a boca

Calçarei de volta a luva

Roubarei uma banana da fruteira

sob meu casaco

ou sob meu chapéu

ninguém poderá notá-la

Um dia mastigarei

Ora, posso mover-me

Colocarei a fruteira sobre o aquecedor deste salão

e as frutas apodrecerão depressa

Ora, as horas correm

Descruzarei as pernas

Levantarei os olhos deste líquido escuro

Alguém descerá do carro lá fora

e esbarrará nesta cadeira vazia à minha frente

pedirá desculpa

Alguém dirá do reflexo das lâmpadas na vidraça

é um caminho sem fundo a se enfiar na noite

Levantarei um pouco o braço e os dedos presos na louça

Sentirei o gosto de café

um dia

esta xícara até a boca

*

Pegar com as mãos

(série de poemas)

um corpo

Você foi embora anteontem dentro do ônibus de viagem.

 

Para sair da rodoviária, ele

engatou uma ré muito lenta

 

fez uma manobra para a esquerda

 

e pôde então seguir reto

(seu rosto na janela foi junto).

 

A sua ausência restou, sentada em meu quarto.

 

Ela é um pouco incômoda.

 

Ela ocupa espaço.

 

Ela me faz companhia.

 

Ela dá trabalho.

 

 

Como um hipopótamo levado a passeio.

letra

Como um elefante.

Recebe esta

Pega

Há tempo já que

é matéria

esta palavra

Como um elefante.

Há tempo já

grafite

Esta palavra

Recebe esta

Pega

Como um instante.

carbono

um desconhecido

Esta caneca que você segura

o que quer que tenha dentro

o seu sorriso

a luz que vem da janela

deve ser manhã

vapor leite café

o seu sorriso

a claridade seu olho

o que quer que tenha dentro

seu ombro braço seu corpo apoiado na pia

esta caneca que você segura

a luz que vem da janela

deve ser manhã

ainda

este retângulo

nunca

este retângulo fotografia

contra matéria

O ar que seu corpo empurra

matéria que corre a sala

e se espatifa contra matéria

o piso a parede o teto

você dança