segunda-feira, 9 de fevereiro de 2004

Virginia Woolf em "Mrs. Dalloway", na tradução de Mário Quintana: "O Big Ben bateu a meia hora. Que extraordinário era, que estranho, que comovente mesmo, ver a velha senhora (há tantos anos que eram vizinhas!) retirar-se da janela, como se estivesse ligada àquele som, àquela corda. Formidável como era, tinha alguma relação com ela. Profundamente, em meio às coisas ordinárias, tomba o dedo, solenizando o momento. Ela era forçada por aquele som, imaginou Clarissa, a mover-se, a retirar-se... mas para onde? Clarissa procurou segui-la enquanto ela se voltava e desaparecia, e pôde ainda ver-lhe a touca branca a se mover no fundo do quarto. Para que credos e orações e capas de borracha? quando, pensou Clarissa, ali estava o milagre, ali estava o mistério: aquela velha senhora, a quem podia ver dirigindo-se da sua cômoda para o toucador. Ainda podia vê-la. E o supremo mistério, que Kilman ou Peter diriam ter resolvido, embora Clarissa não os julgasse capazes da mínima idéia em tal sentido, era simplesmente isso: aqui havia um quarto, ali outro." Virginia Woolf em "As Ondas", na tradução de Lya Luft: "Agora, trata-se de resumir - disse Bernard.- Agora, trata-se de explicar-lhe o sentido de minha vida. Como não nos conhecemos (embora eu tenha visto você uma vez, penso, a bordo de um navio a caminho da África), podemos falar livremente. Tenho a ilusão de que alguma coisa adere por um momento, assume forma, peso, profundidade, perfeição. No momento, parece ser a minha vida. Se fosse possível, eu a daria a você. Haveria de colhê-la como se colhe um cacho de uvas. E diria: 'Tome-a. É minha vida.' Infelizmente, porém, o que vejo (esta esfera cheia de imagens), você não vê. Você me vê a mim, sentado à mesa à sua frente, um homem um tanto pesado, de certa idade, têmporas grisalhas. Vê-me apanhar o guardanapo e desdobrá-lo. Você me vê encher o cálice de vinho. E vê atrás de mim a porta que se abre, gente passando."

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2004

O Théo esteve aqui em São Paulo por uma semana. Passei todos os dias com ele, e foi muito, muito bom a maior parte do tempo. Eu o levei de volta para Curitiba no domingo passado. Uma de suas novas manias é dizer: "Eu tô tliste e blavo" (outra das manias é falar como o Cebolinha). Ele disse isso várias vezes e, numa delas, quando eu perguntei por que, ele respondeu que o motivo da tristeza e da raiva era o fato de ele não ser eu. Depois de falar um pouco sobre isso, sobre eu não ser ele e ele não ser eu, acrescentou que queria poder crescer logo. "Mas em Vila Velha você me disse que queria ser criança pra sempre". "Ah... mudei de idéia". Pausa. "Eu gosto de mudar de idéia, sabe?". O peso todo da conversa de Vila Velha estava em mim, é claro.