quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O Senhor Ferdinand observa. Observa com olhos grandes, com olhos pequenos, com um só olho, olhando pela janela da casa, para o jardim. Ele usa uma meia amarela e outra branca. Alguma coisa estranha está a acontecer, pensa. Olha fixamente - sem ver - para as árvores, enquanto enrola o cabelo com o dedo.
O vento rodopia na relva. Príncipes de papel pairam pelo jardim. Eles agitam-se ao vento. Há qualquer coisa errada, pensa o Senhor Ferdinand, pela centésima vez nesse dia. De meias, vai até à cozinha. Não, ele não tem fome. É outra coisa.
Um sentimento de tristeza invadiu-o. Transparente. Como gelo. É um sentimento como se... Como se alguma coisa que costumasse estar ali tivesse desaparecido. Perdi alguma coisa, pensa o Senhor Ferdinand. É isso. Desapareceu.
(início de "O Senhor Ferdinand", de Agnes Guldemont, com ilustrações de Carll Cneut e tradução de Maria João Archer de Carvalho - livro comprado por acaso em Lisboa, em uma livraria que estava para fechar e por isso tinha todo o seu estoque em promoção)