Nha cretcheu, meu amor,
O nosso encontro vai tornar a nossa vida mais bonita por mais trinta anos.
Pela minha parte, volto mais novo e cheio de força.
Eu gostava de te oferecer 100.000 cigarros, uma dúzia de vestidos daqueles mais modernos, um automóvel, uma casinha de lava que tu tanto querias, um ramalhete de flores de quatro tostões.
Mas antes de todas as coisas bebe uma garrafa de vinho do bom, e pensa em mim.
Aqui o trabalho nunca pára. Agora somos mais de cem.
Anteontem, no meu aniversário foi altura de um longo pensamento para ti.
A carta que te levaram chegou bem? Não tive resposta tua. Fico à espera.
Todos os dias, todos os minutos, aprendo umas palavras novas, bonitas, só para nós dois. Mesmo assim à nossa medida, como um pijama de seda fina. Não queres? Só te posso chegar uma carta por mês.
Ainda sempre nada da tua mão. Fica para a próxima. Às vezes tenho medo de construir essas paredes. Eu com a picareta e o cimento. E tu, com o teu silêncio.
Uma vala tão funda que te empurra para um longo esquecimento.
Até dói cá ver estas coisas mas que não queria ver.
O teu cabelo tão lindo cai-me das mãos como erva seca.
Às vezes perco as forças e julgo que vou esquecer-me.
(Ventura e Pedro Costa, "com três ou quatro coisinhas de Robert Desnos", para o filme "Juventude em Marcha", de Pedro Costa)
Das cartas censuradas 2
Talvez gostasses de me mandar abraços
mas mudei de endereço e de vista da janela
te escrevo então para dar notícias
Moro agora perto do mar
ou seja o mar, me dizem, é perto
e quando o vento levanta as ondas
sinto sal nos lábios
e a concha da minha orelha é como concha marítima
Lá do andar das minhas companheiras
dá pra ver, me dizem, atrás das árvores do bosque
uma faixa azulcinza
poderia subir quando é permitido
e conferir
mas não quero
Através dos outros
sei que estás bem
e fico contente
e fico preocupada que cortaram, ouvi dizer, teu tempo
/de passeio
mas fecho os olhos
e juntos
andamos pelos campos como antes como tantas vezes
e não te preocupes
me abraçarás sob uma árvore viva
e não te preocupes
não choro quando abro os olhos
e vejo muro
o soldado armado
Darlówek, campo de internamento
março de 1982
(Anka Kowalska - tradução de Ana Cristina Cesar e Grazyna Drabik)
5 Comments:
Gente, quem é Anka?
tão obrigada,
agradecer se bastasse.
Venho sempre a este blog, por causa DEas Cartas Censuradas. Acho linda! já tinha lido nos anos 80, quando foi publicado no Folhetim, e até guardei o recorte, mas depois perdi.Fiquei feliz, quando procurei na Net e encontrei novamente.Já não me lembrava m de toda a carta, apenas detalhes, como a concha maritima, e foi por ai que consegui encontrá-la.Parabéns pelo bom gosto!
Onde voce conseguiu estes trechos cartas censuradas? Obrigada
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